Thursday, July 28, 2011

No limiar do tempo. No limiar da lembrança.

Agora que (não) penso nisso, fico com a sensação nítida de que o único esforço que eu sempre fiz, o que eu sempre quis mesmo, foi ficar na memória das minhas relações pessoais. E lá permanecer. Apenas.
Tantas vezes preferi desaparecer no meio da noite, como se fosse comprar um maço de cigarros repentino. Como se isso me permitisse nunca mais voltar, aquele sufoco que de mim em mim se parecia tornar...

Tantas vezes a neblina das insólitas madrugadas de lá foi minha cúmplice. Tantas vezes me devotei a horas imensas a “imensificar a infinitesimez" desse sentimento, que eu queria que deixasse de existir...
Apenas fugir. Para desaparecer. Sem deixar rasto. Qualquer amostra de rasto emocional, que fosse possível seguir... Tentando sempre não magoar ninguém, fazendo a coisa da forma mais indolor e anestesiada possível. Se é que isso existe.
Agora que penso nisso, talvez tentasse sempre evitar magoar-me apenas a mim, e a mim só.
Só eu. Sim, eu sei...


Agora que (não) penso nisso, fico mesmo com a sensação que tantas vezes me senti egoisticamente ultrapassado nessas memórias (de outros) por outros.

Ultra. Passado. Conotação 1. Passado. Conotação 2. E agora que pensei mesmo nisto, o passado deve ficar no passado. E deve mesmo ser ultrapassado. Porque caso contrário não faz bem e, acto contínuo, faz mal. E tudo o que faz mal deve ser evitado. Não?!
Bem, no meu caso deveria ser "ficar resolvido". Curado.
Dizem que o tempo cura tudo. Mas eu temei em continuar a agarrar com todas as minhas forças o volante desse lento carro que também ele teimava em continuar tresloucado nessa tortuosa vida ladeada de curvas e contra-esperanças, minada de lombas e memórias de violenta brandura, constantemente ultrapassado por aqui e por acolá, por aquela e outra memória também...

Mesmo tratando-se só de memórias, mesmo eu não passando só de uma memória em lá, mesmo sendo tudo aquilo que eu sempre quis, tudo aquilo porque eu sempre me esforcei, porque me custou tanto ao sentir que era substituído por outras memórias, estradas mais recentes, afinal de contas, o natural curso das coisas? Porque abalou tanto a minha estabilidade, a confiança na minha condução das minhas atitudes e actos, sentir que não fui capaz de lá me manter, mesmo que fisicamente houvesse feito tudo o que podia para fugir, ao que se tornara real, para esse plano metafísico? Porque me parecem as minhas próprias emoções tão contraditórias, em si?
Porque terei ficado tão perturbado com a substituição desse meu cantinho em lá por essa actualização do mapa sensorial onde se gravam as emoções e os sentimentos?

E pergunto isto, especialmente porque as memórias são tão indeléveis quanto a capacidade que temos de nos agarrar a elas. Força essa que esmorece com o tempo e com a chegada de outras tantas memórias, mais fortes e cativantes... E porque mais cedo ou mais tarde, algo muda. E algo se perde. Para sempre... Qual rascunho mal desenhado e apagado, deixando apenas uma marca de algo. Indefinido. Perdido por ali. Mas nunca lá...

Afinal de contas, agora que já não me lembro de como se pensa nisso, de que nos serve sofrer agarrados a algo, que até já nos esquecemos o que era? Se o que eventualmente se conserva é a memória muscular, essa elegante maneira que o corpo tem de deixar bem marcada a forma de fazer algo, porque continuamos, então, em piloto automático? Apenas porque o nosso corpo nos guia cegamente por entre acto mecânicos para conseguir ter algo feito, sem sentirmos bem o porque, apenas porque sentimos inconscientemente que tem que ser assim...


Porque é que aqui não conduzo eu, porque me leva agora o meu corpo, num caminho sem volante, nem retrovisor? Sem lombas, nem questões? E de que me serve tudo isso, e de me serviu tanto daquilo, se de uma forma ou de outra, todos caminhamos para Alzheimer? De que nos serve viver?
Talvez viver seja também em si uma memória muscular... e talvez o façamos porque é algo que o nosso corpo se recorda de como fazer, exemplar num rigor ímpar na lembrança, qual máquina programada do início ao fim da eternidade - e de volta ao início -, mesmo quando a mente já não se lembra do motivo porque o faz...

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