Tuesday, July 04, 2006

Túneis de metro

...

Olho para o relógio. Chego à estação antes do tempo, ainda está tudo muito parado . Chego cedo demais, uma vez mais. Uma vez mais. Como sempre. Tudo por aqui está e é escuro. As paredes parecem caiadas de um negro intemporal, dá a sensação de que aqui esteve desde sempre, talvez até antes de tudo isto aqui existir. Olho em redor e nada me parece conhecido. No entanto, é como se sentisse que algo me é estranhamente familiar, um sentimento gutural e pulsante. Este pensamento não pára de acostar à minha cabeça... Vem e vai, como uma onda. Várias ondas. Um mar inteiro...
Distraído nisto, começo a ouvir um barulho distante, mas crescente na proximidade. Algo está a chegar, na minha direcção. Talvez este comboio vá mesmo chegar, ironizo. E chega mesmo. Um sem parar de carruagens, ligadas umas às outras como se unidas num num fio sem fim. Engraçado. Se de vários fios destes se tratasse e caso caíssem de uma torneira, pareceriam gotas encadeadas num fluxo contínuo. E pela maneira como começaram a chegar, os vários comboios às - Meu Deus, agora vejo - intermináveis linhas justapostas paralelamente, até onde a vista consegue alcançar. Ou mais até...
As luzes começam a acender-se - Santo Céu -, como isto é grande. Há todo um pulsar de vida que chegou aqui, neste mesmo instante. Eu nem consigo acreditar no que os meus olhos me alcovitam, acerca do que se passa em meu redor. Estaria tudo isto aqui, há um instante atrás, quando cheguei?! O meu relógio não mente, eu estou acordado! Estarei?! E no entanto, tudo o que outrora me pareceu morto e inerte, há um minuto atrás - irónico o meu outrora agora parece, um segundo depois -, está agora vivo, respira e palpita!Este tremor, esta vibração... é tão estranho, tão vivo. E não me canso de pensar - que vigor, que energia. É como se electricidade percorresse o ar em meu redor, e de electricidade se tratasse mesmo - tudo aqui é eléctrico e electrizante!!!
Nem uma ligação directa feita ao meu cérebro me daria esta sensação, me faria sentir assim tão acordado, penso ingenuamente ignorando a maravilha que debaixo dos meus pés se situa. No entanto, no santo seio da minha ignorância abraço tudo o que de assombroso me rodeia.
E no meio de tanta tropelia, de tanto deslumbre, dou com a minha cabeça a rodar na tua direcção, encontrando-te, onde, no fundo, acho que sempre te deixei... ali, no lugar mais central e fulcral de todos, no cerne nuclear que sempre foste na minha vida.
É teu o retrato que embeleza aquelas paredes, que agora já não são escuras e feias, mas sim melancólicas e carregadas de memórias que carrego desde que teconheci.
É teu o retrato que coloquei na mais central das minhas estações, aquela que liga todos os túneis sombrios que sem ti não sentem viver.
É tua a cara que relembro cada vez que percorro os intermináveis quilómetros de existência, vivências mil, à espera de te voltar a encontrar.
São teus os túneis desangue de criei para respirar, aguentando o meu fôlego até te voltar a ver. Com estes olhos que agora olham para os túneis de metro sem desespero... sem receio de não te encontrar logo, no imediato.
Porque agora, voltei a conseguir respirar livremente, nestes túneis que são as veias do meu ser, as artériasdo meu sentimento, as veias do retorno... e voltei a encontrar o caminho para esta minha estação central, que liga todas as outras.. e aqui voltei a encontrar-te, bem no meio do meu coração..

dedico-to a ti, zophia

3 comments:

Z said...

Gostei muito do final. Encontrares a miúda em ti. Beijinhos.

bacsilva said...

Do final? (humpf... cara triste)

Anonymous said...

É impressionante como consegues carregar para dentro de ti o que está "tão fora" e, ao contrário, pintar as parede de um estação de metro com o que de mais profundo tens!...és interconvertivel...